A emergência do hidrogênio verde representa uma mudança tectônica na transição energética global. Com potencial para descarbonizar desde a indústria pesada até o transporte marítimo, o foco no hidrogênio exige repensar políticas, acordos e alianças internacionais. Para o Brasil, que possui uma matriz energética renovável robusta, alinhamentos estratégicos podem definir seu protagonismo na nova geopolítica da energia. Mas com quem devemos, afinal, nos unir?
O que torna o hidrogênio um elemento geopolítico?
Nos últimos anos, o hidrogênio ganhou status de “commodity tecnológica”. Ou seja, seu poder não está apenas na produção, mas no controle das tecnologias, patentes, infraestrutura e cadeias de oferta. O risco é uma dinâmica mineração-hidrogênio dominada por alguns, criando uma nova forma de dependência energética. Ao mesmo tempo, países estão competindo para garantir acesso a minerais críticos e à cadeia de suprimentos, reacendendo preocupações sobre soberania energética.
O ativo brasileiro: uma matriz renovável que é vantagem competitiva
O Brasil já opera um dos sistemas mais limpos do mundo. A IEA aponta que cerca de 80 % da eletricidade do país vem de hidroelétricas e 45 % da matriz energética é renovável . Com ampla capacidade hidrelétrica disponível e crescimento expressivo em solar, hoje com cerca de 53,9 GW instalados, o Brasil possui insumos e condições ideais para a produção de hidrogênio limpo. Uma parceria atual entre Eletrobras e Prumo visa criar um hub no Porto do Açu com geração solar e hidrelétrico dedicado à produção de H₂ verde, validando esse potencial piloto
Os BRICS reforçados e o papel do bloco na transição energética
Com a ampliação desde 2024, o grupo BRICS agora conta com 11 membros, incluindo Egito, Emirados Árabes, Arábia Saudita e Irã. Esses países trazem uma combinação única de capacidades:
- China e Índia lideram pesquisa, desenvolvimento e inovação em hidrogênio.
- África do Sul fornece acesso a metais do grupo da platina (PGM), críticos para equipamentos de eletrólise.
- Brasil, por sua vez, oferece geração limpa em larga escala e logística portuária eficiente.
Essa sinergia posiciona a expansão do bloco como um catalisador para inovação e competitividade na cadeia de produção do hidrogênio.
Possíveis parcerias: complementaridades estratégicas
- China: Parceira natural em P&D e financiamento, já fundamental para projetos de energia brasileiros. A cooperação com bancos de desenvolvimento BRICS intensifica o acesso a capital e tecnologia.
- África do Sul: Detém reservas de platina e experiência em condições similares ao clima tropical do Brasil. Isso pode gerar uma cadeia regional de eletrólise fortalecida.
- Oriente Médio: Com maturidade em projetos-piloto e grande capacidade de investimento, esses países podem apoiar hubs de exportação, porto a porto, agregando valor aos esforços brasileiros.
Essa rede de colaborações favorece o Brasil, distribuindo riscos e criando sinergias tecnológicas, logísticas e financeiras.
Iniciativas nacionais que aceleram a corrida
A agenda brasileira já traz sinais claros dessa estratégia:
- PCH e usinas renováveis destinadas especificamente à produção de hidrogênio verde.
- Projetos como Vale + Green Energy Park, e Eletrobras + Suzano, mostram integração entre matriz elétrica limpa, mineração e bioenergia.
8 Políticas de incentivo, como o PNH₂ e o uso de royalties do pré-sal para financiar transição energética, reforçam a base doméstica .
Diplomacia estratégica: ativação na COP30 e BRICS
Assumir a presidência da COP30 em 2025 coloca o Brasil em posição única para liderar um discurso de “energia limpa + justiça social + desenvolvimento” . Ao mesmo tempo, a integração dentro do BRICS alimenta o fortalecimento de um bloco do Sul Global, capaz de influenciar padrões globais de regulação de tecnologias e financiamento climático.
O Brasil tem sobras de matriz limpa, resiliência energética e capacidade diplomática para se tornar protagonista na geopolítica do hidrogênio. No entanto, isso exige mais do que potencial: demanda regulação eficaz, financiamento estratégico e, sobretudo, alinhamentos multilaterais sólidos com parceiros dos BRICS com competências complementares – especialmente China, África do Sul e Emirados.
Ao combinar sua matriz energética renovável e foco em sustentabilidade com alianças tecnológicas e de infraestrutura, o Brasil tem condições de consolidar uma liderança responsável, integrando crescimento, inclusão social e protagonismo global.